Brincadeiras como estratégia de intervenção
IPO e brincadeiras podem ser usadoscomo estratégia de intervenção para uma boa avaliação do desenvolvimento da criança.
Para Parham e Fazio (2002), é por meio do brincar que as crianças podem revelar habilidades físicas, cognitivas e sociais, além de desenvolver concepção de mundo e interagir com ele. A brincadeira é carregada de uma série de estímulos que propiciam o desenvolvimento sensório-motor, cognitivo, da criatividade, da imaginação e da autoestima da criança (SANTOS; MARQUES; PFEIFER, 2006 cita JOAQUIM; DA SILVA; LOURENÇO;2018).
Piaget (1970) destaca que o desenvolvimento infantil ocorre em quatro estágios: sensório-motor, de zero até um ano e meio ou dois; pré-operatório, de um ano e meio ou dois até sete anos; operações concretas, de sete até doze anos; e operatório formal, de doze anos em diante. Piaget acreditava que todas as crianças normais atravessam os estágios na mesma ordem, pois cada estágio é construído a partir das realizações do estágio anterior (NEWCOMBE, 1999 cita JOAQUIM; DA SILVA; LOURENÇO;2018).
Os bebês adquirem conhecimento através da interação com objetos. No estágio pré-operatório, a criança adquire a capacidade de pensar sobre objetos e eventos que não estão presentes no ambiente. Começa a brincar simbolicamente, ou seja, faz com que um objeto funcione como se fosse outra coisa. No estágio das operações concretas, a criança é capaz de operar sobre as informações. Ela atinge a capacidade de descentramento, conscientizando-se de que os objetos podem ter mais de uma dimensão ou atributo. No estágio das operações formais, as crianças conseguem raciocinar sobre problemas hipotéticos, desenvolvendo a capacidade de pensar sobre as possibilidades. É o estágio mais avançado do desenvolvimento cognitivo, que se estende pela vida adulta (NEWCOMBE, 1999 cita JOAQUIM; DA SILVA; LOURENÇO;2018).
Ao brincar, o indivíduo internaliza comportamentos que geram transformações necessárias para seu desenvolvimento. O brincar intensifica a percepção infantil, o que favorece aprendizagens ao longo do crescimento (ROJAS, 2007 cita JOAQUIM; DA SILVA; LOURENÇO;2018).
As características da brincadeira são modificadas ao longo da vida da criança. As brincadeiras presentes nos primeiros anos de vida são fundamentais para a aquisição de futuros conceitos, na medida em que contribui para as maturações necessárias ao desenvolvimento.
Segundo Newcombe (1999), até a metade do segundo ano as crianças começam a impor novas funções aos objetos. Estes não precisam mais ter a função que realmente têm, podendo representar outros. No final do segundo ano, passam a dirigir a ação a outra pessoa ou brinquedo, não sendo mais orientada para o self, ou seja, elas passam a colocar o brinquedo no lugar delas próprias, como agentes ativos, durante a brincadeira, além de começarem a interagir com outras crianças, o que colabora para aquisição de encenação, pois papéis e rotinas específicas podem ser estabelecidos. O papel do brinquedo muda nessa fase, tornando-se agente simbólico na brincadeira.
Para Rojas (2007), um conceito para ser aprendido exige uma intensa atividade mental por parte da criança, além das informações recebidas. O aspecto simbólico do brincar trabalha na construção do pensamento, pois a criança se utiliza de símbolos como caminhos para a interpretação do mundo real. Assim, o “faz de conta” é importante para o desenvolvimento da linguagem, da habilidade e da competência, pois constitui complexas interações linguísticas que promovem o modo de comunicação infantil.
Piaget (1970) coloca a inteligência como sendo um processo de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação. Na primeira, há incorporação da realidade exterior pelo indivíduo em suas estruturas mentais. Já a acomodação é resultado das pressões exercidas pelo meio, que provoca uma nova organização para, então, incorporar novos conceitos. Tanto assimilação quanto acomodação são formas de adaptação. O brincar é identificado pela prioridade da assimilação sobre a acomodação. A imitação se dá principalmente pela acomodação (NEWCOMBE, 1999 cita JOAQUIM; DA SILVA; LOURENÇO;2018).
A partir dos dois anos de idade, a criança começa a brincar simbolicamente (NEWCOMBE, 1999). Esse tipo de brincadeira é caracterizado pelo “faz de conta”, por meio do qual ela começa a representar situações e relações do mundo que a cerca, estimulando a inteligência e desenvolvendo sua criatividade (CUNHA, 2007 cita JOAQUIM; DA SILVA; LOURENÇO;2018).
A brincadeira simbólica põe em destaque a imitação, por meio da qual é demonstrada a capacidade de assimilar sutis inflexões, que geralmente se dão com a imitação do comportamento dos pais ou de pessoas que vivem em sua casa (BR AZELTON, 1994). A imitação é desenvolvida entre o primeiro e o terceiro ano, e é uma forma pela qual a criança aprende e aperfeiçoa novas ações. Costumam imitar ações que receberam aprovação. No terceiro ano de vida, começam a imitar indivíduos específicos, em especial os pais, por representarem a fonte mais contínua de excitação emocional (NEWCOMBE, 1999 cita JOAQUIM; DA SILVA; LOURENÇO;2018).
Por meio da brincadeira, a criança relaciona experiência, imaginação e linguagem. No princípio, a criança age independente da fala. Como decorrer do desenvolvimento, a ação e a fala organizam o pensamento; por fim, a fala internalizada é capaz de organizar e planejar as ações futuras. No brinquedo a criança consegue vivenciar essas três passagens (FERREIRA, 2006 cita JOAQUIM; DA SILVA; LOURENÇO;2018).
A brincadeira é a atividade principal da infância. Isso se dá não apenas pela frequência de uso que as crianças fazem do brincar, mas principalmente pela influência que este exerce no desenvolvimento infantil (CORDAZZO; VIEIR A, 2007). Dessa forma, é essencial na vida de qualquer criança a possibilidade de brincar, mesmo que seja quando esse brincar responde a uma necessidade de intervenção terapêutica.
Inventário Portage Operacionalizado usado na avaliação do desenvolvimento infantil
Derivado do Guia Portage de Educação Pré-Escola, este instrumento se configura como um guia para avaliação e intervenção com famílias de crianças de zero a seis anos de idade, permitindo identificar o repertório da criança em cinco áreas de desenvolvimento (desenvolvimento motor, cognição, linguagem, socialização e autocuidado) e fornece instruções e orientações aos pais/cuidadores acerca das demandas e características identificadas. Sua estrutura contempla 580 itens de comportamento relacionados às áreas de interesse, distribuídos em faixas etárias: estimulação infantil específica para bebês; até 1 ano de idade; de 1 a 2 anos; de 3 a 4 anos; de 4 a 5 anos; e de 5 a 6 anos.
A pontuação é realizada para cada resposta dada, sendo necessária a ocorrência de no mínimo 3 respostas corretas em 4 tentativas. Além disso, para ser considerada correta, a resposta da criança deve ocorrer após 30 segundos do início da tentativa (apresentação de instruções verbais, modelo, oferecimento de brinquedos, entre outros). A avaliação com o Inventário Portage Operacionalizado deve ser iniciada numa faixa etária anterior à que a criança se encontra, mas é possível iniciar a avaliação na faixa etária em que o avaliador julgar conveniente. À medida que se constatar que o desempenho está insuficiente, retrocede-se a faixa etária. O critério para parar de retroceder envolve a ocorrência de pelo menos 15 (quinze) itens consecutivos em que haja acertos. Recomenda-se encerrar a avaliação de determinada área quando a criança apresentar 15 (quinze) respostas consecutivas incorretas (WILLIAMS; AIELLO, 2001 cita JOAQUIM; DA SILVA; LOURENÇO;2018).
O cálculo das pontuações ocorre para cada área do desenvolvimento e para cada faixa etária, através da razão entre total de acertos e total de itens avaliados. Pode-se assim calcular a porcentagem de acertos e ainda a média por área, somando-se as respectivas razões e dividindo o algarismo obtido pelo número relativo às faixas etárias da idade cronológica da criança que indicam o desempenho da criança com o esperado em cada faixa do instrumento. Quando houver menos do que 15 itens dentro de determinada faixa etária, e todos apresentarem respostas ausentes, a pontuação considerada é zero. É um instrumento que pode ser utilizado por profissionais que atuem na infância, além dos próprios pais/cuidadores da criança (JOAQUIM; DA SILVA; LOURENÇO;2018).
Para ajudar os profissionais na área de saúde e educação, a Neuropsicopedagoga Clínica e estre em Educação Renata Bringel, ministra o curso Online Testes de Rastreio para Autismo (TEA) e Atrasos no Desenvolvimento Infantil, TDAH Avaliação e Intervenção, Terapia ABA na prática entre outros. Os cursos online realizados pela Professora Renata estão disponibilizados no site renatabringel.com.
Referência:
JOAQUIM, Regina Helena Vitale Torkomian; DA SILVA, Fernanda Rodrigues; LOURENÇO, Gerusa Ferreira. O faz de conta e as brincadeiras como estratégia de intervenção para uma criança com atraso no desenvolvimento infantil/The make-believe and games as an intervention strategy for an infant with delay in child development. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, v. 26, n. 1, p. 63-71, 2018.