Mutismo Seletivo
O mutismo seletivo é caracterizado por fracasso consistente para falar em situações sociais nas quais existe expectativa para que se fale (p. ex., na escola), mesmo que o indivíduo fale em outras situações. O fracasso para falar acarreta consequências significativas em contextos de conquistas acadêmicas ou profissionais ou interfere em outros aspectos na comunicação social normal (DSM-5).
História e definição sobre o Mutismo Seletivo
Segundo a pesquisadora e professora Ana Cláudia de Azevedo Peixoto, Mestre e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Mutismo Seletivo (MS) foi descrito na literatura desde 1877, por Kussmaul, um médico alemão, que o descreveu como afasia voluntária. Seria um fracasso manifestado por crianças ao tentar falar em determinadas situações, mesmo tendo uma linguagem já desenvolvida (Kron, Weckstein & Wright, 1999 cita Peixoto 2017). Vinte anos mais tarde Treuper, em 1897, relatou o problema como inibição da fala. Até que em 1934, o psiquiatra Morris Tramer, utilizou pela primeira vez o termo mutismo eletivo para relatar um caso clínico atendido por ele. Segundo ele, o termo “eletivo” designava crianças que selecionavam lugares e pessoas para não falar (Krolian, 1999 cita Peixoto 2017). Este termo foi utilizado até a publicação do DSM-III (APA, 1987), sendo substituído por mutismo seletivo no DSM-4 (APA, 1994).
Atualização no Critério diagnóstico no DSM-5 (APA 2014)
Critérios Diagnósticos:
A. Fracasso persistente para falar em situações sociais específicas nas quais existe a expectativa para tal (p. ex., na escola), apesar de falar em outras situações.
B. A perturbação interfere na realização educacional ou profissional ou na comunicação social. C. A duração mínima da perturbação é um mês (não limitada ao primeiro mês de escola).
D. O fracasso para falar não se deve a um desconhecimento ou desconforto com o idioma exigido pela situação social. E. A perturbação não é mais bem explicada por um transtorno da comunicação (p. ex., transtorno da fluência com início na infância) nem ocorre exclusivamente durante o curso de transtorno do espectro autista, esquizofrenia ou outro transtorno psicótico.
Características Diagnósticas do Mutismo Seletivo:
Ao se encontrarem com outros indivíduos em interações sociais, as crianças com mutismo seletivo não iniciam a conversa ou respondem reciprocamente quando os outros falam com elas. O fracasso na fala ocorre em interações sociais com crianças ou adultos. As crianças com mutismo seletivo falarão na sua casa na presença de membros da família imediata, mas com frequência não o farão nem mesmo diante de amigos próximos ou parentes de segundo grau, como avós ou primos. A perturbação é com frequência marcada por intensa ansiedade social. As crianças com mutismo seletivo comumente se recusam a falar na escola, o que leva a prejuízos acadêmicos ou educacionais, uma vez que os professores têm dificuldade para avaliar habilidades como a leitura. O fracasso na fala pode interferir na comunicação social, embora as crianças com esse transtorno ocasionalmente usem meios não verbais (p. ex., grunhindo, apontando, escrevendo) para se comunicar e podem desejar ou ansiar pela participação em encontros em que a fala não é exigida (p. ex., papéis não verbais em peças teatrais na escola).
Características Associadas que Apoiam o Diagnóstico:
As características associadas ao mutismo seletivo podem incluir timidez excessiva, medo de constrangimento, isolamento e retraimento sociais, apego, traços compulsivos, negativismo, ataques de birra ou comportamento opositor leve. Embora as crianças com esse transtorno em geral tenham habilidades de linguagem normais, às vezes pode haver um transtorno da comunicação associado, embora nenhuma associação particular com um transtorno da comunicação específico tenha sido identificada. Mesmo quando esses transtornos estão presentes, também está presente a ansiedade. Em contextos clínicos, as crianças com mutismo seletivo quase sempre recebem um diagnóstico adicional de outro transtorno de ansiedade – mais comumente transtorno de ansiedade social (fobia social).
Prevalência do Mutismo Seletivo
O mutismo seletivo é um transtorno relativamente raro e não foi incluído como categoria diagnóstica em estudos epidemiológicos de prevalência dos transtornos na infância. Prevalências pontuais usando várias amostras em clínicas ou escolas variam entre 0,03 e 1%, dependendo do contexto (p. ex., clínica vs. escola vs. população em geral) e da idade dos indivíduos na amostra. A prevalência do transtorno não parece variar por sexo ou raça/etnia. Manifesta-se com maior frequência em crianças menores do que em adolescentes e adultos.
Desenvolvimento e Curso do Mutismo Seletivo
O início do mutismo seletivo é habitualmente antes dos 5 anos de idade, mas a perturbação pode não receber atenção clínica até a entrada na escola, quando existe aumento na interação social e na realização de tarefas, como a leitura em voz alta. A persistência do transtorno é variável. Embora relatos clínicos sugiram que muitos indivíduos “superam” o mutismo seletivo, seu curso é desconhecido. Em alguns casos, particularmente em indivíduos com transtorno de ansiedade social, o mutismo seletivo pode desaparecer, mas os sintomas do transtorno de ansiedade social permanecem.
Fatores de Risco e Prognóstico
Temperamentais. Os fatores de risco temperamentais para o mutismo seletivo não estão bem identificados. Afetividade negativa (neuroticismo) ou inibição comportamental podem desempenhar algum papel, assim como história parental de timidez, isolamento e ansiedade social. As crianças com mutismo seletivo podem ter dificuldades sutis de linguagem receptiva comparadas com seus pares, embora ainda esteja dentro da variação normal.
Ambientais. A inibição social por parte dos pais pode servir como modelo para a reticência social e o mutismo seletivo em crianças. Além do mais, os pais de crianças com mutismo seletivo foram descritos como superprotetores ou mais controladores do que os pais de crianças com outros transtornos de ansiedade ou nenhum transtorno.
Genéticos e fisiológicos. Devido à sobreposição significativa entre mutismo seletivo o e transtorno de ansiedade social, pode haver fatores genéticos compartilhados por ambos.
Consequências Funcionais do Mutismo Seletivo
O mutismo seletivo pode resultar em prejuízo social, uma vez que as crianças podem ficar excessivamente ansiosas para se engajar em interações sociais com outras. À medida que as crianças com mutismo seletivo crescem, podem enfrentar um isolamento social cada vez maior. Em contextos escolares, essas crianças podem sofrer prejuízo acadêmico porque com frequência não se comunicam com os professores no que se refere às suas necessidades acadêmicas ou pessoais (p. ex., não compreendendo uma tarefa de classe, não pedindo para ir ao banheiro). Prejuízo grave no funcionamento escolar e social, incluindo o resultante de ser importunado pelos pares, é comum. Em certos casos, o mutismo seletivo pode servir como estratégia compensatória para reduzir o aumento da ansiedade em encontros sociais.
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Referência:
PEIXOTO, Ana Cláudia de Azevedo; CAROLI, Andréa Lúcia Guimarães; MARIAMA, Silvia Regina. Mutismo seletivo: estudo de caso com tratamento interdisciplinar. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 13, n. 1, p. 5-11, 2017.
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [recurso eletrônico] : DSM-5 / [American Psychiatric Association ; tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento … et al.] ; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli … [et al.]. – 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2014.